abril 15, 2011

Como um político amorfo e sem voto cria um partido?


Uma pergunta não quer calar: por que o prefeito Gilberto Kassab se tornou uma liderança nacional capaz de criar um novo partido? Creio que a resposta a essa pergunta dirá menos sobre as características e as qualidades do prefeito e mais sobre as fragilidades do sistema político brasileiro, em particular daqueles que não podem viver sem apoiar o governo, qualquer que seja ele.

Comecemos a resposta pensando naquilo que seria o mais óbvio: a posição de governante da maior cidade do país é muito poderosa. Por meio da Prefeitura de São Paulo se pode ter uma enorme exposição nacional e conseguir o apoio de milhões de eleitores. Mas Kassab tem hoje uma péssima  avaliação popular – 43% dos paulistanos acham sua administração ruim ou péssima. Esse resultado poderia ser explicado pela fase pós-enchentes de verão. Só que não há obras, projetos ou ideias deste governo que tenham o poder de mudar esse cenário. Portanto, à primeira vista, associar-se à imagem de Kassab seria um erro político. Ainda assim, vários políticos prometem entrar no PSD.

Uma segunda resposta à atratividade do kassabismo seria sua defesa de ideias que tivessem capacidade de atrair eleitores e, ou, de aglutinar grupos ideológicos. Contudo, Kassab não defendeu nenhuma ideia nova, nem uma visão inovadora de fazer política, tampouco um ideário baseado em crenças mais profundas – como o fazem socialistas, liberais e verdes noutras partes do mundo.

A definição que Kassab deu ao novo partido é um canto de sereias aos políticos amorfos que povoam a política brasileira. Vale citar o argumento inteiro: “O PSD não será de direita, não será de esquerda, nem de centro. É um partido que terá um programa a favor do Brasil, como qualquer outro partido deve ser”. Aqueles políticos que têm minimamente um ideário, ou uma biografia política a defender, fariam muitas restrições a essa visão. Mas, como há vários integrantes da oposição que não aguentam mais sua atual posição e rezam para o santo que lhes der verbas, cargos e prestígio, é provável que o prefeito de São Paulo esteja lhes abrindo um caminho bem mais interessante.O prefeito Kassab é apenas o construtor de uma ponte para os interesses de outros grupos políticos.

Ainda podemos testar uma última hipótese: a liderança de Kassab poderia advir de sua trajetória política. O que podemos lembrar como marcante em sua carreira? Sem dúvida alguma, sua eleição à prefeitura. Porém, tal vitória só foi possível graças ao apoio de seu padrinho, José Serra. Se não fosse essa mãozinha, Kassab nunca chegaria a um posto executivo. Afinal, sua trilha anterior tem como segundo ponto mais importante ter sido secretário de Planejamento do prefeito Celso Pitta. Por esse papel central no governo, obviamente ele foi um dos responsáveis pela mais desastrada administração da cidade.

Mesmo sendo impopular na cidade que governa, amorfo em relação às ideias e aos projetos, além de ter uma trajetória política pífia, Kassab está montando um partido nacional com um contingente razoável de políticos querendo entrar nessa legenda. Será que esses seus prováveis correligionários não percebem que se juntarão a uma liderança tão vazia de conteúdo e pouco promissora em termos de votos?

Aqui entra a resposta para essa charada: o prefeito Kassab é apenas o construtor de uma ponte para os interesses de alguns grupos políticos. Mais especificamente, de dois tipos. Um deles é formado pelos oposicionistas que não aguentam mais o estilo radical de se contrapor à presidente Dilma. Eles precisam, em maior ou menor medida, apoiar e receber ajuda do governo federal. Uns de uma forma mais direta e material, enquanto outros desejam pelo menos não serem prejudicados, especialmente em suas bases locais. Além destes, há aqueles que torcem pela existência de mais uma força orbitando pelo governismo, para contrabalançar o poder da dupla PT-PMDB.

A resposta à pergunta inicial traz outra: o que será de Kassab depois de pavimentar o caminho adesista ou servir de espantalho na luta pela hegemonia no governismo? Pelo que demonstrou até agora, talvez ele esteja dando seu último suspiro de protagonismo. Afinal, para ser JK é preciso ter história, ideias e votos.

FERNANDO ABRUCIO
é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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